Paradigmas em História
Correntes ou Lentes:
Paradigmas em História
Publicado
por catalisecritica
em 05/09/2009
Por José Reinaldo do Nascimento Filho
Podemos pensar a História como uma sucessão de
paradigmas científicos a partir dos quais essa ciência é escrita. Um paradigma
comporta um conjunto de facetas ou dimensões. É uma espécie de “modelo mental”
que norteia um campo cientifico num determinado momento ou fase do seu
desenvolvimento.
O conceito de paradigma científico foi formulado
pelo epistemólogo Thomas S. Khun (1922-1996). Ele destaca o paradigma como:
teorias, leis, instrumentos e metodologias. São lentes através das quais o
historiador lê o passado. Basicamente o paradigma diz ao historiador o que
pesquisar e como pesquisar.
Cada lente (diga-se paradigma) funciona em
conformidade com a sua natureza. Uma pá não funciona como um alicate, nem um
computador como microondas. Cada instrumento possibilita um uso em conformidade
com o seu feitio. Do mesmo modo os paradigmas; esses são ferramentas
intelectuais, instrumentos de trabalho mental e técnico do pesquisador. Não
peçam de cada paradigma aquilo que ele não pode ou não se propõe a dar. Não
exijam de uma novela global refinamento e sutilezas psicológicas da “alta
literatura” de um Dostoiévski.
São apresentados ao historiador inúmeros caminhos e
possibilidades para “ler o passado”. Pensando nisso que pretendo a partir de
agora apresentar algumas correntes historiográficas, para que você leitor
conheça um pouco do nosso oficio. Pretendo para exemplificar propor um tema e
analisá-lo segundo as diversas lentes ou correntes historiográficas.
Digamos que eu queira escrever a História do Brasil
adotando as lentes marxistas. Em decorrência dessa escolha
epistemológica e ideológica serei obrigado a por no cenário da minha pesquisa
as “condições materiais de existência”, os conflitos entre classes, a famosa
“luta de classes”: Senhor x Servo, Rei x Burguesia, Burguesia x Proletariado.
Assim, a opção implica certo olhar sobre a história.
Os pesquisadores fisicalistas escolheram ler
o mundo como sendo regido pela causalidade, quer dizer, uma sucessão de causas
e efeitos. Essa lente fornece àquele que o adota a temática das raças e do meio
como agente histórico. Notem como as obras de Euclides da Cunha – Os Sertões,
em especial – sofreram influência dessa corrente historiográfica.
Existem correntes que vêem o saber histórico como
algo próximo da ficção literária. Abrigados sob a rubrica do Pós-modernismo
– mesmo eles próprios não gostando dessa classificação – temos Michel de
Certeau (1925-1996) e Hayden White. Autores que problematizaram o estatuto da
historiografia enfatizando a sua dimensão discursiva ou mesmo ficcional. White,
em “Trópicos do Discurso: ensaio sobre a crítica da cultura”, afirma: “…
considerar as narrativas históricas como aquilo que elas manifestamente são:
ficções verbais cujos conteúdos são tanto inventados quanto descobertos
e cujas formas têm mais em comum com os seus equivalentes na literatura do que
com os seus correspondentes nas ciências”. Para esse autor, o relato histórico
é, antes de tudo, um “artefato retórico”. A sua linguagem é figurada e, longe
de ser um meio transparente, é algo que prefigura a realidade histórica. Dessa
maneira White aproxima o fazer histórico da literatura.
Não podemos esquecer o papel importantíssimo do Positivismo
com Auguste Comte na formação da chamada História científica. Sua
máxima é a de que os métodos e técnicas aplicados no estudo da sociedade devem
ser os mesmos das ciências naturais. Assim, o historiador analisaria suas
fontes sem colocar nenhum “juízo de valor”, com neutralidade, dissecando os
“fatos” como se fossem objetos em um laboratório. Estudaríamos o “homem”
através de métodos e lógica, como faria um matemático com seus cálculos.
Caso você se deleite com a dimensão simbólica da
vida humana, os sensíveis à cultura têm no paradigma analista a opção certa. A
Escola dos Annales fornece um instrumental muito propício para tratar
destas questões e dimensões. Os analistas trazem à tona a história dos
marginais, questões sobre a memória e mentalidade, noções de história
estrutural e conjuntura. Essa corrente histórica tem como maiores expoentes:
Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Jacques Le Goff, Roger Chartier,
etc.. Seu olhar sobre a História do Brasil estaria direcionado para os que
estão à margem da sociedade. Muda-se o foco da narrativa. Não estaremos mais
interessados nos grandes heróis e suas conquistas, olharemos para as
interpretações das pessoas que sofreram as conquistas e ações desses heróis. D.
Pedro II? Deodoro da Fonseca? Getúlio Vargas? Agora não.
Não poderia deixar de colocar aqui nessa
apresentação as duas correntes que mais me fascinaram: A História Cultural e
Micro-História. A primeira corresponde a cerca de 80% da produção
historiográfica nacional. Ela ganha força a partir dos anos 70, com a “crise
dos paradigmas explicativos”, que é o esgotamento de modelos e de um regime de
verdades e de explicações globalizantes, com aspiração à totalidade. Assim,
para um historiador cultural, não seria possível uma “Historia do Brasil”, mas,
no mínimo, a “História dos Brasis”. Percebam como a história globalizante
apresenta problemas que são fáceis de ser percebidos: em algum momento da sua
vida de estudante você ouviu falar na “História do Acre”? Ou como esse Estado
sofreu ou causou algum tipo de influência para formação do que conhecemos como
nação brasileira? Duvido muito. O que a História Cultural pretende, dentre
outras coisas, é estudar as especificidades.
A História Cultural não se configura apenas como
uma crítica às correntes com tendências a explicações globalizantes, ela
acarretou mudanças epistemológicas com a entrada em cena de novos conceitos que
reorientam a postura do historiador. Dentre esses estão: representação,
imaginário, narrativa, ficção e sensibilidades.
A outra corrente historiográfica é a da
micro-história, vertente que tem sido associada à “maneira” italiana de fazer
história, em especial nomes como Carlo Ginzburg e Giovanni Levi. A
micro-história, como o nome indica, realiza a redução de escala de análise,
seguida de exploração intensiva de um objeto limitado. Preocupa-se com a
narrativa e apresenta ao leitor todos os meandros da pesquisa; não apresenta
somente o produto pronto, mas todos os percalços da investigação. Poderia citar
aqui como exemplo de trabalho nessa área de pesquisa histórica o “Queijo e os
vermes”, de Ginzburg, mas como a proposta inicial foram pesquisas relacionadas
à “História do Brasil”, apresento aqui o livro do historiador Boris Fausto, “O
Crime no Restaurante Chinês: Carnaval, Futebol, Justiça na São Paulo dos anos
30”. Nessa obra, Fausto recorre aos arquivos da história e da memória pessoal
para narrar e analisar um dos acontecimentos policiais que mais mobilizaram a
opinião pública paulistana. Um homem negro era acusado de matar o ex-patrão e
mais três pessoas com terríveis golpes de pilão. O historiador narra o processo
das investigações com a maestria de um romancista. As fontes dessa reconstrução
do passado são basicamente a memória do autor e os vários jornais e órgãos de
imprensa que mobilizavam a opinião pública, muitas vezes com sensacionalismo.
Isso mesmo que você leu: Boris Fausto, mais
conhecido pelas suas obras com pretensões totalizantes – História do Brasil,
História Geral da Civilização Brasileira, Revolução de 30 – surge com esse
livro que fica restrito a apenas um crime. Para muitos historiadores essa foi
uma curiosa surpresa, principalmente depois de afirmações nada humildes do
próprio Boris, quando esse dizia ter “escrito tudo sobre a história do Brasil”.
Fica aqui uma apresentação dos paradigmas que
permeiam os caminhos do pesquisador historiador, a tentativa de apresentar as
inúmeras possibilidades para “leitura do mundo”. Concebam essas correntes ou
lentes como alternativas de escrita da História, e não como verdade ideológica
ou moral. Cada uma delas possibilita ou interdita. Os paradigmas históricos são
opções epistemológicas e existências. São instrumentos a serviço do
pesquisador, nos quais convertemos e educamos nosso olhar, a mente e a
nossa sensibilidade.
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