Historiografia

Historiografias




Qualquer ciência necessita de uma metodologia para sua pesquisa, estudo e formulação. É a metodologia aplicada que possibilita a leitura de qualquer objeto científico. Variando a metodologia, será alterada por completo a percepção do que está em análise.

A história, como integrante das ciências humanas, teve no decorrer do tempo que desenvolver suas metodologias próprias a serem aplicadas no seu estudo. Assim como em outras ciências, a aplicabilidade da metodologia indicará qual será a leitura do objeto. No caso da história, o método apontará o ângulo pelo qual aquela será observada. Pela aplicação do método, a história pode ser entendida de diversas maneiras ou ângulos: cultura, política, economia e outros.

Foi nos séculos XIX e XX que o homem começou a ser encarado também como objeto e não apenas sujeito. Isso fortaleceu as ciências humanas que por demais se desenvolveram em seus métodos, inclusive a história. O homem começou a ser visto como produto da história e não apenas produtor desta. Essa pequena mudança foi possível graças a novas metodologias de estudo da história que possibilitaram o entendimento histórico a partir de vários prismas.

A questão do método é muito extensa. Por isso, serão apresentadas somente as principais correntes historiográficas que servem como método na produção histórica, a saber: Positivismo, Escola dos “Annales e Marxismo.


Positivismo
O Positivismo tem na pessoa de Augusto Comte seu maior propositor. Esse era francês e atuou principalmente na primeira metade do século XIX. Comte foi muito influenciado por Saint-Simom, de quem foi secretário.

Segundo o Positivismo como filosofia, todas as sociedades passam por estágios de pensamento. Nesse contexto, a história foi construída passando por esses estágios, sendo que o primeiro é Metafísico ou Teológico. Neste, a sociedade está presa a mitos, lendas, religiões supersticiosas e credos supranaturais. As Idades Antiga e Medieval são períodos citados nesse caso. Para Comte, a história caminha para um estágio chamado de Positivista, no qual as ciências se desenvolvem, fazendo com que as antigas explicações teológicas e mitológicas cedam lugar aos paradigmas científicos.

A Ciência alcança até as questões humanas. Isso seria um estágio de desenvolvimento até mesmo da ciência positiva. O Positivismo sistematiza as ciências em matemática, astronomia, física, química, biologia e psicologia. A sociologia e outras devem passar por depurações positivas, submetidas a métodos para se tornarem ciências.

Esse progresso da ciência é o progresso intelectual do próprio homem que somente dessa maneira chegará a um grau perfeito de altruísmo, que resultará numa sociedade orgânica, cujos ideais de Ordem e Progresso culminam. Dentro do contexto histórico, muitos momentos apresentaram esses ideais separadamente. O feudalismo é colocado como um momento que é enfático a Ordem. Já a Revolução Francesa desenvolveu um período de Progresso. A ciência é vista como aquela que unirá tais ideais num mesmo contexto histórico.

Comte e seus seguidores afirmavam que a realidade é o que se pode conhecer mediante a percepção dos sentidos, que são os meios utilizados pelo método científico. O misticismo e a intuição não são reconhecidos pelo Positivismo como meios válidos para obtenção de conhecimento, o que é válido também para a historiografia positivista.

A conhecida História Tradicional é identificada como historiografia positivista. Os historiadores tradicionais tiveram muita influência de Comte. No caso, o historiador positivista trabalha sobre a base de que a história é o fato propriamente dito, empirismo. Isso significa que só se constrói história a partir de documentos. Não os havendo, não há história, pois não há comprovação de fatos. Augusto Comte acreditava que as ciências deveriam se estribar em fontes empíricas, portanto, na história positivista o documento é o objeto principal de análise.

Há uma supervalorização do fato: História Fática. A história se resume naquilo que se pode perceber e observar, não sendo permitido abstrações. Como a filosofia positivista procura valorar o homem como indivíduo ímpar, não há uma preocupação historiográfica com o coletivo, as massas populares, e sim com os heróis e homens que produzem os fatos positivos. Por isso são notáveis os acentos nas histórias política, militar e diplomática. Os historiadores positivistas seguem as seqüências cronológicas dos fatos, tendo o homem como sujeito de transformação e nunca objeto.

Para os historiadores tradicionais ou positivistas, os métodos utilizados pelas ciências naturais deveriam ser os mesmos aplicados às ciências humanas. Dessa maneira, crêem que a história pode ter uma interpretação científica dos fatos, sendo “verdadeira” e isenta de abstrações.

A história, como epistemologia, ocupa um papel secundário no Positivismo, sendo sua responsabilidade apenas descrever os fatos. O desenvolvimento da sociedade jamais é visto correlacionado a fatos, isto é, a história.

O método positivista de historiografar é totalmente sistemático.


Marxismo
A historiografia marxista é um pouco anterior a Escola dos “Annales”.

Não se pode confundir historiografia marxista com comunismo, socialismo, luta de classe e outros conceitos que também fazem parte do Marxismo. Este é um quadro de idéias muito complexo, pois envolve filosofia, direito, política, sociologia, economia, história e outras ciências.

Karl Marx tinha formação religiosa judaica e luterana. Estudou história, filosofia e direito nas Universidades de Bonn e Berlim, tendo obtido o grau de doutor em Jena. Quando estava em Berlim foi influenciado pelo pensamento hegeliano (filosofia em voga na época, século XIX), se aproximando da ala esquerda de tal filosofia. Na mesma universidade estudou problemas sociais e políticos.

Uma faísca do pensamento de Hegel é sua dialética. Essa afirma que o homem e sociedade vivem em constante modificação; dentro de seu esquema: tese, antítese e síntese. Marx foi influenciado pela dialética de Hegel, porém a modificou para explicar suas teorias políticas e econômicas.

Também o filósofo Feuerbach contribuiu para pensamento marxista. Ele defendia um materialismo, no qual o mundo gira em torno da natureza – um ataque na época à religião, principalmente a que pregava a necessidade de experiências e uma volta à religiosidade, através do liberalismo teológico-protestante, na Alemanha. Contudo, o materialismo proposto por Marx e Engels diferencia-se do feuerbachiano, pois essa teoria também deveria se encaixar num pensamento voltado para a leitura da sociedade da época.

Juntando as duas teorias, dialética e materialismo, Marx formou o Materialismo Dialético ou Histórico, no qual as lutas de classes e os fatores econômicos (materiais) determinam o legado da história, ou seja, Marx pensava que as condições econômicas regulamentam e determinam o curso da história. É nesses princípios que a historiografia marxista se baseia.

Pelas obras de Karl Marx nota-se como ele dava importância à questão econômica na formação da sociedade dentro da história – em 1844 escreveu Economia Política e Filosofia; em 1850 As lutas das classes em França onde a questão econômica é enfática; em 1857 Os Princípios da Economia; em 1859 A crítica da economia política; em 1867 publica o primeiro volume do Capital. Além dessas obras, Marx escreveu para os jornais New York Tribune, Nenue Oder Peitung e outros.

Karl Marx entendia que as relações jurídicas protegem a propriedade e devem ser compreendidas dentro de condições de existência material. Isso significa que a economia dominante manipula o direito e a política, dirigindo a história para a dominação econômica, através de um mecanismo de alienação, no qual o operário é objeto de lucro para as classes dominantes. Para demonstrar a hegemonia da economia nas relações humanas e sociais, Marx usou a própria história. Na Idade Média, por exemplo, o domínio senhorial, o sistema de trabalho gratuito, o recebimento das taxas e das “banalidades”, os estatutos dos camponeses, a organização das comunidades aldeãs, as repartições de terras, o domínio do clero e outras questões são observadas levando em consideração a exploração do campesinato em função da riqueza material das classes dominantes, a saber: nobreza e clero. Na Idade Moderna, o surgimento da industrialização, a propriedade dos capitais, a divisão de pessoal, os investimentos, as oficinas, a situação dos operários, os sindicatos, a relação trabalhadores e oferta de emprego e outras questões também salientam a economia como motor propulsor da história.

Na teoria marxista, o materialismo histórico pretende explicar a história das sociedades humanas através dos fatos materiais, essencialmente econômicos. Para embasar ainda mais seu pensamento, Marx encaixou as forças produtivas e as relações de produção como infra-estrutura econômica de uma sociedade. Sobre ela se apóia uma superestrutura que atua no consciente social. Para explicar isso, Marx faz uma analogia, comparando a sociedade a um edifício, no qual as fundações, chamadas de infra-estrutura, seriam representadas pelas forças econômicas. Já o edifício em si, foi chamado de superestrutura, o que representa as idéias, costumes, instituições (políticas, religiosas, jurídicas, etc) e formas do Estado.

Para demonstrar isso Marx também usou a história. A organização das sociedades se estriba sobre o seguinte esquema: há as forças produtivas dentre as quais estão as atividades econômicas e as instituições políticas que dão formatos aos discursos ideológicos. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual em geral.

O pensamento de Marx influencia também a historiografia no que concerne ainda a sociologia das classes, em que se destaca as lutas de classes, e o conceito de ideologia, no qual até a religião é instrumento de alienação das massas para o domínio político-econômico.

Resumindo, uma historiografia marxista afirma que são as condições econômicas as responsáveis pela regulamentação e determinação do curso da história. Um historiador marxista enfatiza a economia na construção da história. Assim sendo, a história não são apenas fatos documentais, como afirmava Augusto Comte, mas ela é construída ideologicamente para o benefício econômico de classes específicas. Marx destaca a história das sociedades como a história de lutas de classes (Manifesto Comunista), que ocorre entre classes dominadas e dominantes dentro do âmbito econômico. Por isso a economia é destacada por Marx como a responsável pelas mudanças históricas, merecendo foco nas análises. Em seus escritos, ele procurou identificar dentro da história o papel transformador da economia dentro das sociedades.

O modo de exploração feudal ou corporativo da indústria existente até então não mais atendia às necessidades que aumentavam com o crescimento dos novos mercados. A manufatura tomou seu lugar. Os mestres-artesãos foram suplantados pela pequena burguesia industrial. [...] Os mercados, no entanto, continuavam a crescer e continuavam a aumentar as necessidades. A própria manufatura tornou-se insuficiente. Em conseqüência, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. (MARX, Karl. O Capital. 2.ed. São Paulo: Edições Cultura, 1946. V.3. p.46)


A historiografia marxista influenciou muito a história em todo mundo, desviando o foco da proposta positivista. No Brasil destacam-se Caio Prado júnior, Celso Furtado, Leôncio Basbaum, Jacob Gorender, Florestan Fernandes, Edgar Carone, Boris Fausto, Maria Yeda Linhares, Nelson Werneck Sodré e outros, que também deram ênfase ao quadro econômico, como fator de desenvolvimento da história.


Escola dos “Annales”
A Escola dos “Annales” surgiu em oposição principalmente a “escola positivista”, historiografia tradicional, na França no século XX, mais precisamente em 1920. A Escola dos “Annales” foi uma inovação da historiografia, pois não propõe que o estudo da história seja minimizado ao acontecimento propriamente dito, ao fato, como o Positivismo, e volta sua atenção para a história em sua longa duração, a vida política, economia, organização social, cotidiano, psicologia, além da aproximação com as outras ciências humanas. Essa proposta trouxe a história para mais perto da geografia, antropologia, sociologia, psicologia, filosofia e outras gnosiologias.

As orientações básicas da Escola dos “Annales” foram formuladas principalmente por Lucien febvre e Marc Block, mas houve contribuições significativas de Fernand Braudel, P. Coubert, Le Roy Ladurie, Furet e outros. Esses dois últimos designaram a nouvelle histoire (“nova história”) como a história elaborada a partir e sob a influência das ciências sociais. Os novos historiadores aceitaram críticas feitas por sociólogos durkheimianos e da Revue de Synthèse Historique que queriam uma renovação no estudo da história, aproximando-a das ciências sociais para que também pudesse se tornar uma ciência social.

Essa proposta por parte de sociólogos principalmente, trouxe conflito entre historiadores novos e tradicionais, que controlavam as instituições de ensino, edição e administração da história e pesquisa na França.

Em 1929 Lucien febvre e Marc Block fundaram a revista de história intitulada Annales d’Histoire Economique et Sociale na França. Era o nascimento da Escola dos “Annales”.

Nos anos de 1950 e 1960 os historiadores da Escola dos “Annales” produziram materiais voltados à geografia histórica, à história econômica e à demografia histórica. Já na década de 1970 os historiadores que defendiam essa historiografia difundiram a história das mentalidades. A nova historiografia queria mesmo era eliminar o sentimento de especialidade dos historiadores, promovendo a pluridisciplinaridade e a união das ciências humanas.


O espírito dos Annales influenciou historiadores por todo o mundo, principalmente Europa Ocidental, Estados Unidos e América Latina.

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